Romance Lordelo e Macau
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ROMANCE DA MINHA TERRA E MACAU.
Nortenho de Lordelo Paredes, Bessa Almeida chegou a Macau vai para três décadas e meia. Romance com moça chinesa local resultou em casamento e em três filhos.
Para além de outras especializações, Bessa Almeida tem um curso de fotografia ainda obtido em Portugal com acompanhamento de um repórter fotográfico desportivo. Ainda hoje quase nunca dispensa a companhia de uma câmara onde gosta de registar pessoas, paisagens, monumentos históricos, músicos e praticantes de tai chi nos jardins de Macau, ambientes inesquecíveis. Pergunto-lhe que imagem guarda da primeira “foto” do seu olhar sobre Macau: “Chegámos à tardinha, a primeira impressão foi de agrado, senti logo que era uma terra chinesa, afinal quase a idéia mais nítida que eu tinha de Macau nessa época. Senti que chegara a outro mundo, talvez também influenciado pela temperatura, a humidade, os aromas, as pessoas... tudo tão diferente de Portugal, em particular de Lordelo, Paredes, onde nasci.
Pensei para comigo que o meu velho desejo de conseguir a oportunidade de realizar uma grande viagem, conhecer outros hábitos, estava a concretizar-se”. Quando fala da terra natal, Lordelo, cidade desde 2003 no concelho de Paredes, evoca figuras conhecidas também nascidas naquela região: “vários famosos futebolistas como Jaime Pacheco, Rui Barros, José Mota, o famoso ciclista Ribeiro da Silva, muitos religiosos como António Barbosa Leão que foi bispo do Porto”. Ou a actriz Soraia Chaves, acrescento eu.
A Esquadra nº 2, junto ao Canídromo, foi o primeiro posto de trabalho. António Bessa Almeida recorda nomes do grupo de 22 com quem veio até este território: “alguns, uns três ou quatro, ainda estamos por aqui. Por exemplo o Pedroso, o Pinto da Emigração, o Alves que também ainda trabalha na Polícia e está no Trânsito, e embora tenha vindo no grupo imediatamente a seguir ao meu, faz parte daquela geração que um dia resolveu radicar-se em Macau”. Rondas e patrulhas na companhia de colegas chineses “uma óptima camaradagementre nós, nesse tempo muitos falavam português e nós íamos a pouco e pouco aprendendo o cantonês”. A determinada ocasião solicita que o coloquem na Unidade Táctica de Intervenção da Polícia, UTIP, “porque sabia as minhas qualidades e potencialidades no sentido de poder ser mais operacional”. E assim foi, resultando numa relação de maior proximidade com várias situações que cabiam àquela Unidade enfrentar.
Muitas histórias ainda por contar, dado algum natural melindre. Algumas delas relacionadas com refugiados que chegavam clandestinamente, em especial vietnamitas “Eles vinham nuns barcos, fugidos do seu país. Aqui eram acolhidos com a recomendação de que seria uma situação temporária. Chegavam às dezenas em condições terríveis, mesmo muito desagradáveis. Eram postos na Ilha Verde, alguns por razões várias, fugiam do local onde os colocávamos. Lá íamos nós subir às colinas, apae reintegrá-los no grupo, era essa uma das nossas funções. Mesmo os que tinham tarefas fora das instalações, à hora determinada tinham de regressar. Também existiam refugiados que fugiam da parte continental da China.
Estes, eram, por norma, devolvidos ao outro lado, como estava estabelecido entre as duas partes”. Da operacionalidade desejada e obtida na UTIP, Bessa Almeida entra para a Banda da PSP: “Foi no tempo do comandante Folkes que desejou criar uma fanfarra para determinadas cerimónias onde se utiliza fundamentalmente caixa e clarim, por exemplo em marchas e toques militares nos desfiles e outras ocasiões. Ofereci-me, pois tinha prática obtida em Portugal na fanfarra dos Bombeiros de Lordelo.
Poucos anos depois de chegar, conheceu o romance com moça chinesa de Macau: “o interessante é que ela andava a estudar português numa escola situada perto das Ruínas de S. Paulo, sabia umas palavras; eu sabia também umas palavras de cantonês, eram uns diálogos muito engraçados, íamos aprendendo um com o outro, até que o amor aconteceu até hoje. Em 1985 casámos e temos três filhos”. António Sousa de Bessa Almeida recorda alguma amargura sentida dois anos depois do casamento, devido a uma decisão da PSP de então: “eu estava casado, legalmente casado, claro, já nos tinha nascido um filho, necessitava de casa. Ora, as Finanças e a Polícia não me arranjaram casa. Ficámos chocados, a família sentiu-se injustiçada.
Vi que a única solução era regressar a Portugal com a família. Poucas semanas antes da datade partida, já com todas as viagens marcadas, caixotes feitos, tudo organizado para a partida, apareceu a Obra Social dizendo que havia uma casa para nós. Já foi tarde, fomos para Portugal”. Os primeiros tempos em Portugal foram muito difíceis para a esposa de António: “fomos viver para o norte, Lordelo, casa dos meus pais. Eu trabalhava em Lisboa, no Comando Geral da PSP, na Penha de França.
Apesar dos esforços dos meus pais, ela e o meu filho Carlos, sentiam-se meio perdidos perante hábitos que desconheciam, clima diferente, a própria língua. Eu juntava as folgas de um mês e ía até lá, mas não era suficiente, percebia que ela não estava bem. Até que me disse precisamente isso, que não se sentia bem”. Entretanto, nasce uma filha, a Elisa. As coisas podiam complicar-se. Decisão foi alugar casa conveniente mais próximo do local de trabalho de Bessa Almeida. E um ano depois a família já vivia junta no Barreiro “A opção pelo Barreiro deveu-se às rendas serem mais baratas e ao facto de ter-me cruzado com um colega, coincidentemente também casado com uma senhora chinesa e morando no Barreiro.
Minha esposa gostou da possibilidade, por isso fomos viver para o Barreiro, na mesma rua do meu colega”. É nesta cidade que nasce mais uma filha, a Alexandra. No entanto, eram frequentes, nas férias, as viagens até Macau: “Esta terra nunca me saiu do pensamento e do coração, por isso regressámos e aqui estaremos até ao fim”. O diálogo em casa, “uma casa portuguesa”, salienta António, “sempre foi em português e cantonês, talvez com mais peso no português, pois o tempo que passámos em Portugal, a minha esposa tirou um curso de português para adultos, desenvolvendo bastante o domínio da língua.
Posso dizer que hoje talvez ela fale melhor português do que eu falo chinês”. Nem quando chegou a data aprazada para a mudança de administração em Macau, a criação da RAEM, o 19 para 20 de Dezembro de 1999, fez Bessa Almeida mudar de ideias: “senti naquele momento, na ocasião da transição, uma emoção muito grande, tal como todos. Na minha interpretação foi uma entrega digna. Observei que os chineses estavam muito contentes com a nova realidade e com a forma como as coisas decorreram. Assisti à entrada, pelas Portas do Cerco, dos elementos do Exército chinês, e vi como eles foram entusiasticamente recebidos pela multidão.
Fiz questão de assistir de perto a esse acontecimento. Hoje aposentado, de vez em quando ainda forma grupo de amigos para uns jogos de futebol de salão – “só para distrair, com os amigos Nelson, o Barroso, o Rui, o Rodrigues”. Gosta de caminhar pelas ruas antigas “a parte mais nova, onde estão os casinos, não me é tão agradável nem me diz nada. Nos bairros antigos gosto muito de passear, falar com as pessoas, observar a parte histórica, os nomes das ruas também em português, fotografar, tudo isso me diz muita coisa cá dentro”.
Com vista a melhorar a vida desta região macaense, Bessa deseja que “seja dada mais atenção à língua portuguesa, falada e escrita em Macau. Não é apenas por ser português aqui radicado que desejo isso, é porque o português como língua, tal como os monumentos, as igrejas, etc., fazem a diferença enorme desta terra em relação a todas as outras regiões chinesas e não só. Há algumas repartições públicas que devem ter pelo menos uma pessoa no activo que possa comunicar directamente com qualquer cidadão lusófono que precise de recorrer aos serviços oficiais”.
Outra atenção que as entidades oficiais deviam reforçar, incide “nos preços escandalosos, sem controlo, da habitação. Os meus filhos dizem-me agora, como podemos aqui viver se não conseguimos pagar preços destes, não conseguimos os milhões que exigem por um apartamento? Fico muito triste com esta muito negativa realidade”.
Pormenor que o meu interlocutor me chama a atenção: “quando viajamos nos transportes públicos, ainda ouvimos em português os nomes dos locais por onde os autocarros vão passando. Essa realidade, hoje também me diz muito. Olhando para o futuro, posso supor que as realidades serão diferentes. Eu olho o futuro mais na perspectiva dos nossos filhos desejando que eles se sintam sempre integrados e que acompanhem positivamente as mudanças. Os três filhos têm as duas culturas, conhecem bem uma e outra, fiz sempre por isso. Eles hoje fazem o que entenderem melhor. Enquanto for vivo, a minha influência como cidadão português que optou por Macau como seu destino, é a lembrança e o conhecimento pela componente histórica desta região. E a história antiga desta terra foi feita por portugueses e por chineses, não esqueçamos todos nós”.